15/07/2024 às 14h53min - Atualizada em 15/07/2024 às 14h53min

Mercado das artes visuais de BH vive nova onda com expansão do circuito de galerias e mostras

Espaços independentes e alternativos abrem novos horizontes na cena local e encontram lugar com as novas ocupações de prédios da cidade

Alex Bessas - O TEMPO
Edição do bazar JUNTA, em dezembro do ano passado Foto: Reprodução/Instagram @cadu_passos_

Quando o assunto é o crescimento do número de galerias e outros espaços dedicados às artes visuais em Belo Horizonte, há uma quase unanimidade: a abertura do Instituto Inhotim, em Brumadinho, na região metropolitana de BH, em 2008, e do Circuito Liberdade, em 2010, costumam ser citados como espécie de mola propulsora para o desenvolvimento desse sistema de arte. Mas, mesmo reconhecendo a força destes equipamentos, que se firmaram como uma ponte entre Minas e o mundo ao trazer para a cidade grandes exposições locais, nacionais e internacionais, a verdade é que estes não foram os únicos fatores por trás do fortalecimento dessa cena na capital mineira.

A curadora Flaviana Lasan, assistente regional cultural na Funarte, por exemplo, acrescenta que outros elementos também precisam ser considerados. Entre eles, sugere, está a efervescência da abordagem educativa de artes visuais, incluindo o trabalho pioneiro da Escola Guignard na cidade e a penetração do tema em outros cursos, como os de design e arquitetura e urbanismo. “Nessas circunstâncias, houve, de um lado, uma demanda muito grande de artistas por espaços e, de outro, uma autonomia de criar seus próprios ateliês e galerias, pois equipamentos públicos ou privados já não eram suficientes para atender a todos”, examina. 

Abertura da exposição “Nutrir florestas en el corazón”, no quartoamado, em novembro de 2023 | Foto: Reprodução/Instagram @danielmonteirox
Abertura da exposição “Nutrir florestas en el corazón”, no quartoamado, em novembro de 2023 | Foto: Reprodução/Instagram @danielmonteirox
Por sua vez, a galerista, curadora e pesquisadora Laura Barbi ressalta que os editais de fomento também deixam seu contributo para o robustecimento dessas dinâmicas. “Temos residências e editais de ocupação já tradicionais, como a Bolsa Pampulha, os programas do Palácio das Artes e da UFMG. Por outro lado, a descontinuidade de projetos e espaços joga contra esse amadurecimento da cena, como vemos agora com a descontinuidade do BDMG Cultural, que possui editais importantes para os artistas emergentes”, sinaliza.

Onda nova
Laura lembra ainda que, além da instalação de novos espaços institucionais, entre museus e galerias, na primeira metade dos anos 2010, houve um segundo movimento relevante para o fortalecimento desse ecossistema artístico a partir da metade final da mesma década. “É quando temos a abertura de um número interessante de novas galerias de arte contemporânea, como a própria GAL – Arte & Pesquisa (criada e dirigida por Laura), em 2017, e, mais recentemente, a Galeria Acaiaca (inaugurada em 2022) e Casa Camelo (reinaugurada neste ano)”, cita. 

A pesquisadora, em sua tese, cita ainda iniciativas independentes idealizadas por artistas-produtores culturais belo-horizontinos – “que atuam como instâncias legitimadoras e incentivam a formação de artistas, a circulação de obras e o desenvolvimento de um mercado de artes alternativo, com foco nos espaços com programação”. Entre os exemplos citados por ela estão o Viaduto das Artes, as galerias Mama Cadela e Quarto Amado, as residências artísticas propostas por iniciativas independes como o Ja.ca e o Espai Ateliê, as feiras de arte e bazares, como o Bazar Junta, e os festivais, como o Festival Internacional de Fotografia (FIF) e Circuito de Arte Urbana (CURA) – “que ampliam a vivência na cidade, através da aproximação da arte, dos espaços urbanos e do público”, anota. “E, agora, vivemos mais um desdobramento com os ateliês abertos se tornando mais frequentes, caso do ateliê-galeria Sonho Forte/Sonho Sorte”, assinala.

Edição do bazar Junta, em dezembro de 2023 | Foto: Reprodução/Instagram @cadu_passos_
Edição do bazar Junta, em dezembro de 2023 | Foto: Reprodução/Instagram @cadu_passos_
No mesmo sentido, Flaviana Lasan ressalta o impacto das redes sociais, que trouxeram mais visibilidade para estes espaços alternativos e iniciativas independentes, e dos novos movimentos de ocupação de prédios antes esvaziados. É algo que percebemos no Mercado Novo, na Galeria Sao Vicente e no Edifício Arcângelo Maletta, por exemplo. “Lugares que acolhem novas galerias e ateliês em um ambiente mais informal, dessacralizado e despretensioso, onde há muita circulação de pessoas”, examina, pontuando que, nesses locais, alguém que saiu para encontrar amigos, para um encontro ou simplesmente para ir a um bar ou restaurante pode, de repente, esbarrar com uma exposição em que há uma obra que mexe com ela.

Receio
Mas há quem fique temeroso que essas novas propostas de ocupação de prédios antes ociosos contribua para um processo de gentrificação, termo usado para descrever a transformação de áreas urbanas que leva ao encarecimento do custo de vida e aprofunda a segregação socioespacial nas cidades.

De maneira muito simplificada, o temor é que a chegada de jovens empreendedores – geralmente de setores criativos, como artistas, que estão em busca de lugares acessíveis para se estabelecer, uma vez que, no início de suas carreiras, não possuem poder aquisitivo para o aluguel em áreas em que esses circuitos já estão consolidados – gere um movimento que atraia um público de estratos sociais mais abastados – incluindo colecionadores em busca de novos nomes no campo das artes visuais, mas, também, empresários em busca de novas oportunidades de negócio. Um fenômeno que pode levar ao aumento do custo de vida, incluindo aluguéis e alimentação, obrigando que a classe trabalhadora, que já vivia naquela região, acabe sendo expulsa dali.

Abertura da exposição FAÇATEZ, no Espaço Corda, em 2019 | Foto: Reprodução/Instagram @espacocorda
Abertura da exposição FAÇATEZ, no Espaço Corda, em 2019 | Foto: Reprodução/Instagram @espacocorda
“É uma equação complicada, porque, por um lado, há o receio de que os novos empreendimentos, ao atrair novos olhares para uma região, contribuam para a gentrificação, mas, por outro, sabemos que a abertura de galerias nestes espaços contribuem para a democratização e popularização do acesso às artes visuais”, reconhece a historiadora, artista visual, atriz, arte-educadora e produtora audiovisual Flora Maurício, nome por trás do grupo“Verní Beagá”, que, no WhatsApp, reúne hoje 238 membros com a missão de democratizar as vernissages em Belo Horizonte.

Diálogo
A artista visual e videomaker Dayane Tropicaos segue por um raciocínio semelhante ao defender que as galerias podem, sim, ter apelo popular – e, portanto, não devem ser encaradas como vilãs ao se pensar nessas complexas dinâmicas urbanas. “Inclusive, se ocorre a gentrificação, os artistas também já não vão conseguir manter suas galerias e ateliês nestes locais e terão que sair dali”, assinala.

Sobre a cena em si, ela sustenta que BH é, tradicionalmente, um terreno fértil para as artes visuais. “Mas, de fato, foi na última década que houve um robustecimento nesse movimento de democratização de espaços, incluindo aqueles que pensam a produção artística fora dos espaços institucionais e acolhendo novos criadores – o que era uma demanda principalmente para quem estava começando, porque o circuito que já existia acaba privilegiando apenas quem já possuia uma carreira mais consolidada”, observa, citando, entre os espaços que foram pioneiros nesse movimento, o Mama Cadela, localizado no bairro Santa Tereza, o Quarto Amado, na Savassi, e a Casa Camelo, no Sagrada Família.

As artistas Dayane Tropicaos e Carolina Santana, à frente do ateliê-galeria Sonho Forte/Sonho Sorte, inaugurado há um ano, no Edifício Central | Foto: Flavio Tavares/O TEMPO
As artistas Dayane Tropicaos e Carolina Santana, à frente do ateliê-galeria Sonho Forte/Sonho Sorte, inaugurado há um ano, no Edifício Central | Foto: Flavio Tavares/O TEMPO
Outro exemplo é o Sonho Forte/Sonho Sorte, espécie de ateliê-galeria liderado justamente por Dayane e a artista visual e arte-educadora Carolina Santana. Completando um ano neste sábado (19), o espaço, inaugurado no Edifício Central, coincidentemente durante a Virada Cultural de BH de 2023, é encarado como uma continuidade do trabalho da dupla, que realizou uma residência artística, contemplada pelo Centro Cultural UFMG, na qual foi trabalhado o tema do sonho da perspectiva das mulheres.

“É um espaço muito vivo e dinâmica. Já expomos trabalhos nossos, já recebemos performances”, cita, explicando que Carol e ela entenderam que seria mais interessante abrir o espaço no centro da cidade. “É uma região rica e diversa, por onde passa muita gente. E interagir com esses públicos diversos era um interesse nosso após a vivência mais reclusa na residência que fizemos”, assinala, indicando que a realização de eventos, como vernissages, se mostrou um instrumento interessante neste sentido.

Para caber todo mundo
Além de dialogar com um novo público, Gustavo Maia, coordenador e idealizador da galeria Mama Cadela, sublinha que o surgimento de mais espaços alternativos para as artes visuais é fundamental também para que mais artistas, sobretudo os que estão começando, encontrem um horizonte acolhedor para a exposição de seus trabalhos. “Há poucos anos, esse cenário era mais árido, obrigando artistas a apelarem para as mais variadas soluções para que seus trabalhos fossem expostos”, comenta. 

Visitante na abertura da mostra 1000 GRAU, na galeria Mama Cadela, realizada no início deste mês | Foto: Reprodução/Instagram @kairu.photos 
Visitante na abertura da mostra 1000 GRAU, na galeria Mama Cadela, realizada no início deste mês | Foto: Reprodução/Instagram @kairu.photos 
“Nos anos 2000, uma dupla de artistas, Raquel e o Ramon, chegaram a expor seus trabalhos em um lote vago. Foi a partir daí que decidi expor, em uma noite, na casa da minha avó, que estava vazia”, menciona, dizendo que, no início, as mostras eram estruturadas de forma muito amadora e descontinuada. “Só em 2014, essa iniciativa vai se tornar o Mama Cadela”, cita.

 

“É muito difícil manter um espaço independente, mas, felizmente, tem muita gente persistente por aí”, reconhece, assinalando que nem todo artista se encaixa nas dinâmicas das galerias de arte mais tradicionais ou instituições. “Além disso, se a gente for pensar, o número de editais é pequeno em comparação ao número de pessoas que gostariam de ser contempladas. Ou seja, temos um cenário em que não dá para todo mundo entrar pela mesma porta”, examina, lembrando que as galerias alternativas também costumam ser uma opção buscada por artistas mais consolidados quando desejam testar projetos mais experimentais.


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