08/07/2024 às 10h52min - Atualizada em 08/07/2024 às 10h52min

Custo de vida em BH e região sobe mais do que no resto do Brasil; entenda por quê

Índice da inflação municipal acelerou mais do que a média nacional no acumulado de 12 meses e atinge todas as áreas de consumo

Gabriel Rodrigues - O TEMPO
Inflação em BH aumentou mais do que no Rio de Janeiro e em São Paulo Foto: Flávio Tavares/O TEMPO

Não é só impressão, e viver em Belo Horizonte e região está ficando mais caro. Do aluguel à locomoção, da conta no boteco à tarifa da energia elétrica, o belo-horizontino está sentindo mais o aumento de preços do que o restante do Brasil. No último ano, a inflação na capital mineira e região metropolitana foi mais elevada do que a média do país. Para além dos números e porcentagens, na prática o cidadão sente os efeitos da inflação diretamente no bolso quando pega um ônibus, abastece o carro, vai ao supermercado ou procura uma casa para morar.

“A inflação acumulada em BH em cada ano tem sido maior do que a média nacional. Então, considerando o salário mínimo, que é o mesmo em todo o país, isso significa que o custo de vida tem subido mais em BH”, introduz o economista da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis (Ipead/UFMG) Diogo Santos. No acumulado de 12 meses calculado pelo IBGE, com dados de até maio deste ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de BH e região foi de 5,07%. Já o nacional, de 3,93%. 

Não é uma tendência de longo prazo — quando se considera a inflação acumulada nos últimos cinco ou dez anos, a inflação de BH fica abaixo da brasileira. Mas, no último ano, a inflação da Grande BH foi a maior das 11 regiões metropolitanas monitoradas pelo IBGE. Ela é mais alta do que a de cidades com um custo de vida historicamente superior: o IPCA foi 3,71% no Rio e 3,87% em São Paulo. Isso não quer dizer que seja mais caro viver em BH do que nesses locais, e sim que os preços na capital mineira estão acelerando com mais velocidade. 

Nas ruas, a população percebe os efeitos dessa aceleração no custo de vida. “Está caro viver. Uma família de cinco, seis pessoas não consegue mais ter um lazer, uma alimentação saudável, e o custo da educação está muito alto. A conta de luz aumentou 6,7% recentemente, e nosso salário não muda. Eu mesma pago aluguel, e minha conta veio R$ 150 neste mês. Com um aluguel de R$ 800 e um salário de R$ 1.420, como ficam a alimentação, a medicação e o estudo da criança?”, questiona Cátia Magalhães, 43, atualmente desempregada.

A analista financeira Marileny Amorim, 50, também descreve uma vida de aperto. “Antes, eu frequentava um clube. Hoje, não frequento mais. Não tenho lazer, é uma vez na vida e outra na morte. Vou usando o cartão de crédito sem parar. Paga e usa, paga e usa”. O vendedor Helbert Pereira, 19, mora sozinho e fala da rotina para equilibrar as contas: “antigamente, eu ia a um rodízio e não dava nem R$ 100 direito. Hoje, o bar não sai por menos de R$ 150. Eu ia à academia, mas não dá mais e faço os exercícios em casa. Penso em voltar para o interior”.

De fato, a alta de preços em BH é generalizada e afeta todos os grupos acompanhados pelo IBGE. A diferença da inflação no Brasil e na Grande BH em grupos fundamentais no dia a dia é significativa. A discrepância chega a 33% na alimentação e 26% nos transportes, por exemplo. “São dois grupos com um peso semelhante e alto. Quando há variação de preço dos subitens desses grupos, isso impacta diretamente no geral, porque são muito consumidos pelas famílias”, explica o coordenador do IPCA do IBGE em BH e região, Venâncio da Mata.

Fatores chave impulsionam todos os preços para o alto
Quando a inflação de uma região se descola da média nacional, como ocorre em BH e região, geralmente é devido a reajustes de serviços públicos, fator com forte impacto na cidade nos últimos meses, destaca o especialista do IBGE. “Esse descolamento que ocorreu no acumulado foi muito devido a dois reajustes em janeiro de 2024. Tivemos aumento da taxa de água e esgoto e, no mesmo mês, reajuste da tarifa de ônibus urbano de 15,89%. Então, só em janeiro, a inflação na região foi 1,1%, enquanto no Brasil foi de 0,42%, uma diferença significativa”.

Serviços básicos como o transporte tendem a ter um efeito em cascata sobre os demais custos. Um aumento da passagem de ônibus não implica somente pagar mais caro para sair de casa, mas uma mudança no ecossistema econômico da cidade. “O aumento da tarifa de ônibus possui dois efeitos. Há o efeito direto sobre o custo de vida, que é a elevação do gasto com esse item. Ou seja, se a renda não aumenta, a família terá que gastar menos com outro item para acomodar a elevação da tarifa de ônibus. E há o efeito indireto, por meio dos possíveis repasses para os preços dos produtos e serviços prestados pelas empresas, diante do aumento de custo com o vale-transporte dos funcionários”, pesa o economista Diogo Santos, do Ipead/UFMG.

Os combustíveis são outros potencializadores da inflação, pois são essenciais ao longo das principais cadeias produtivas da economia, desde a produção de alimentos, com o diesel que abastece as máquinas agrícolas, até o transporte de praticamente qualquer produto. Neste momento de alta do dólar e do barril de petróleo internacionalmente, analistas do mercado prendem a respiração sob a possibilidade de a Petrobras reajustar os preços — o que, contudo, não parece estar nos planos imediatos da nova presidente da estatal. “Já teremos algum nível de inflação devido ao dólar. Se isso chegar à gasolina e ao diesel, o impacto será bem maior”, pontua o economista Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps).

Hoje, a média de preço da gasolina é maior em Belo Horizonte do que a do país. Na capital, ela é vendida por R$ 5,98. No Brasil, por R$ 5,86. Já o diesel tem uma trajetória oposta, e custa mais no país (R$ 5,88) do que em BH (R$ 5,63). Desde o começo do ano, a gasolina aumentou cerca de 11,8% em BH, enquanto no Brasil a alta foi de 5,4%. O preço do diesel diminuiu 1,4% em BH e, nacionalmente, permaneceu praticamente estável.

O preço de morar em BH
Como os demais indicadores da inflação, a habitação também aumentou mais na Grande BH do que no restante do Brasil: o índice foi de 5,83% na capital e região e 3,5% no país. Para quem procurou uma casa para alugar ou comprar nos últimos meses, isso não é surpresa, e as próprias imobiliárias admitem o aumento de preço.

O valor do aluguel de um apartamento de um quarto sem garagem na capital quase alcança o salário mínimo e gira em torno de R$ 1.230 e R$ 1.340, segundo levantamento da plataforma Quinto Andar. Em um ano, o valor saltou 12,2%.

A perspectiva é que morar em BH continue ficando mais caro, avalia o economista do Quinto Andar Evandro Luis. “Essa tendência de custos de moradia crescendo mais do que a inflação é algo que pode ser observado claramente na cidade pelo menos desde a pandemia e não temos grandes razões para imaginar uma tendência diferente no futuro. Isso porque a procura por moradia na cidade segue crescendo e o estoque de imóveis cresce em ritmo bem menor, gerando um descompasso entre demanda e oferta que acaba por refletir em custo alto para alugar e comprar imóveis”.

A alta pressiona as famílias e mesmo quem mora sozinho e tem gastos menores, atesta o vendedor Helbert Pereira, 19. “Quando você mora sozinho, sente. No final do mês, querendo ou não, tem que cortar uma continha para não ficar agarrado. Não tem uma kitnet por menos de R$ 700”.

Bar mais barato? Provavelmente, não
Mês a mês, comer fora fica mais caro. As mudanças no preço dos cardápios não passam despercebidas para a analista financeira Marileny Amorim, 50. “Eu frequentava um restaurante melhor, mas hoje isso não fica por menos de R$ 150 para mim e para minha filha”, diz. O pedreiro aposentado Edson dos Reis, 71, também reclama. “A gente recebe só para o básico mesmo. Tomar um cafezinho no centro da cidade já é difícil. Você vai fazer um lanche e fica no mínimo R$ 15, R$ 20”.

A propensão é que o aumento prossiga. A presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), Karla Rocha, justifica: “os preços estão sendo impulsionados pela alta nos custos dos insumos, como os alimentos e bebidas. Com essa inflação, os bares e restaurantes se veem obrigados a repassar os aumentos para o cardápio, porém nem todos os bares e restaurantes conseguem fazer esse repasse, e a margem de lucro acaba ficando bem pequena”. 

Segundo uma pesquisa da Abrasel, 48% dos empresários reajustaram o preço conforme ou abaixo da inflação, e 40% mantiveram o cardápio inalterado nos últimos 12 meses. O reajuste, portanto, não é repentino, mas gradativo. “A tendência é que os estabelecimentos continuem repassando gradualmente os aumentos desses insumos, claro, de maneira controlada para não prejudicar o consumidor final”, diz Rocha.

30 anos de inflação em BH
Desde o lançamento do Plano Real, em 1994, a inflação acumulada no Brasil somou cerca de 708% — com isso, R$ 1 de 94 vale, hoje, o equivalente a R$ 0,12. Guardadas as diferenças na metodologia de cálculo, em BH ela disparou ainda mais. Em 30 anos, ela chegou a 789,93%, calcula o Ipead/UFMG.

A primeira década desde o lançamento do real teve a inflação mais acelerada na cidade, de 167,54%. Nos últimos anos, entre 2014 e 2024, foi de 93,18%. “Isso quer dizer que, em média, os preços quase dobraram nesse período em BH”, assinala o economista Diogo Santos. Isso não significa, porém, que o custo de vida também tenha dobrado.

O especialista explica: “é preciso considerar que os salários também foram reajustados nesse período, mitigando o aumento do custo de vida. Nem todos os salários são reajustados acima da inflação todos os anos, mas podemos observar o salário mínimo como referência para saber como evoluiu o custo de vida. Entre 2014 e 2024, o salário mínimo aumentou de R$ 724,00 para R$ 1.412,00, um aumento de 95%. Ou seja, para quem ganhava um salário mínimo em 2014 e ganha um salário mínimo atualmente, o custo de vida ficou praticamente o mesmo”.


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