“A cultura que havia é que tudo aquilo que incomodava, mandava-se para Barbacena. E não era só o chamado ‘doente mental’ – mandavam o doente clínico, o andarilho, o ‘problema social’. Chegando aqui, não havia critério para internar. Quando internava, não tinha médico de plantão. Os primeiros plantonistas fomos nós, que éramos estudantes do quarto ano de Medicina”, relembra Jairo Toledo. À época residente no hospital psiquiátrico, Toledo fez parte do grupo que convidou Basaglia a ir a Barbacena, imaginando a possível repercussão de uma visita.
“Chegando aqui, o que acontecia? Esses pacientes cronificavam, se psiquiatrizavam, ‘aprendiam’ a ser doentes mentais pelos trejeitos e hábitos”, denuncia Jairo. Ou seja, a “loucura” ou a “desrazão” dos internados em Barbacena em muitos casos era produzida no próprio manicômio, devido ao ambiente de brutalidade e desrespeito pela vida humana. Eletrochoques, espancamentos, fome e frio e trancamento indefinido nas celas eram comuns no lugar.
“Eu sou de Barbacena e estudei aqui, então não podia aparecer muito. Dei as coordenadas do que poderia ser visto. Eles conseguiram autorização para fotografias e a produção de textos. Isso gerou um livro do Hiram Firmino, chamado Nos porões da loucura [lançado em 1982 pela Editora Codecri, d’O Pasquim, reunindo reportagens publicadas no Estado de Minas], e um filme do Helvécio Ratton, o Em nome da razão, que estreou no III Congresso Mineiro de Psiquiatria, quando o Basaglia voltou a Minas junto com o Robert Castel”, diz Jairo.
“Quando a gente pegou, 90% [dos funcionários] eram atendentes. Esse pessoal foi encaminhado para se tornar auxiliar de enfermagem, técnico de enfermagem ou enfermeiro e foi absorvido de novo na instituição. Lembro de uma turma do curso superior de Enfermagem aqui da cidade que, dos 50 formandos, 28 eram da turma de atendentes que trabalhou comigo lá atrás”, diz.
“Decidimos que era preciso melhorar a hotelaria. Em pavilhões em que habitavam 300 pacientes, decidimos que haveria no máximo 50. Fizemos também umas casinhas, primeiro com cinco casas-modelo onde moravam 20 pacientes. A ideia era preparar o paciente para a liberdade e o convívio social. Essa foi uma conquista muito grande, fruto também desse período em que estávamos influenciados pelo Basaglia. Não dá para considerar como residência terapêutica, porque era dentro do hospital, mas a ideia do Pedro [Gabriel Delgado, coordenador de saúde mental do MS de 2000 a 2010, onde implementou a Reforma Psiquiátrica] saiu daí. Foi um grande laboratório para as SRTs”, rememora. O próprio Delgado havia estagiado na Colônia de Barbacena na década de 1970.
“Meu querido Soroco. Visitei hoje o lugar onde morreu sua mãe, onde morreu sua filha, onde morreram as mães, os pais, os filhos e os irmãos de um incontável número de pessoas. Sabe o que eu encontrei lá? Um Caps. Um hospital regional de clínica médica e cirúrgica. Um centro social urbano. Uma escola. Um centro de convivência. Um bairro popular. Uma área de preservação ecológica. Uma biblioteca pública. E outras construções que fazem parte da paisagem da cidade, atualmente conhecida como a Cidade das Rosas.
“Lembro muito de uma frase que ele falou para nós e anotou para mim, que nunca mais esqueci: ‘Não penso como [Ronald] Laing, que diz que a loucura é uma viagem. A loucura é sofrimento e angústia e, como tal, eu a combato. Não para devolver a saúde, mas para defender a vida’.”