28/06/2024 às 12h00min - Atualizada em 28/06/2024 às 12h00min

Há vagas, mas onde estão os candidatos? Comércio de BH enfrenta dificuldades para contratar

Empresários relatam dificuldade em encontrar mão de obra qualificada no mercado da capital

Pedro Faria - O TEMPO
Restaurante de Ana Paula segue com uma faixa procurando funcionários Foto: Tatiana Lagôa/O Tempo

Quem anda pelas ruas de Belo Horizonte já deve ter percebido que não faltam cartazes em pequenas lojas com a frase “contrata-se”. A chegada ao mercado de trabalho da Geração Z, que é formada por nascidos entre 1995 e 2010, tem mudado completamente a dinâmica de contratações no comércio e no setor de serviços. Enquanto os empresários precisam da mão de obra jovem, aqueles que ainda estão entrando no mercado de trabalho não se sentem atraídos pelas oportunidades disponíveis. 

Somente em feirões de emprego, promovidos pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em parceria com 23 empresas em 2024, foram oferecidas 2.419 oportunidades e apenas 1.022 contratados - ou seja, apenas 42% das vagas foram preenchidas. 

Mas por que está tão difícil atrair trabalhadores para as variadas oportunidades de trabalho? Por que muitos empresários enfrentam dificuldades na contratação? A resposta pode estar no modelo de negócio procurado pela nova geração que está entrando no mercado de trabalho. 

Para Eduardo Maróstica, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), novas possibilidades, como o uso de aplicativos, fazem com que os jovens busquem pelas próprias formas de conseguir sua renda. “Há uma mudança geracional. Estima-se que, até o ano que vem, 27,5% da população global estará nas gerações Z. Essa é uma geração que tem um conhecimento mais tecnológico, experiência em redes sociais e o que faz com que essas pessoas mais jovens não queiram trabalhar aos finais de semana, queiram utilizar muito mais as oportunidades como home office, tecnologia, para que possam desenvolver suas atividades. Esses trabalhos mais de varejo, ou aqueles que fazem parte de atividades mais bruscas, estão sendo substituídos por trabalhos mais tecnológicos, fazendo a busca pela mão de obra ser mais dificultosa”, explica.

Segundo números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), Belo Horizonte teve, no primeiro trimestre de 2024, 51.481 admissões e 46.130 desligamentos -  um saldo positivo de 5.351. Somente em março, o setor de comércio e serviços foi responsável por 80% das oportunidades geradas de carteira assinada. 

Maróstica pontua que o transporte por aplicativo, por carro ou moto, também pode ser mais atrativo para os jovens atualmente. “Fazer renda como entregador ou motoboy passou a ser mais atrativo do que trabalhar 10 ou 12 horas, ou do que ganhar um salário mínimo. Trabalhar CLT para ter um salário mínimo perde a atratividade. Um outro ponto é o que as empresas oferecem além do salário. Alguns empregadores acham que carteira assinada e vale-transporte são suficientes”, diz.

Quem enfrenta essa dificuldade é Pedro  ngelo, sócio de um restaurante self-service no bairro Sion, região Centro-Sul de Belo Horizonte. Ele conta que muitas vezes o processo de contratação é dificultado pelo desinteresse das pessoas. “Passamos por dificuldades para contratar. Algumas são relacionadas às plataformas de oferta de emprego em si, que exigem assinaturas ou são complexas. Como somos um restaurante e buscamos uma mão de obra muito especializada, mas sem formação acadêmica, muitas pessoas não acessam esses sites. Outra dificuldade que temos é a falta de compromisso. Entramos em contato com diversas pessoas, por indicação, e geralmente a pessoa não honra os compromissos”, explica.

Pedro Ângelo e sua mãe são donos de um restaurante no bairro Sion, região Centro-Sul da capital. Foto: Fred Magno/O Tempo
Para o dono do restaurante, a chegada de benefícios por parte do governo após a pandemia intensificou alguns dos problemas nas contratações. “A dificuldade para encontrar funcionários aconteceu depois da pandemia, com os auxílios cedidos pelo governo. Antes da pandemia havia dificuldade, mas era mais por competência. Hoje em dia, muitas pessoas acham mais justo receber o auxílio do que trabalhar e não receber muito a mais. Acaba que isso tira o interesse da pessoa em trabalhar. Pessoal acha que trabalhar é apenas o dinheiro, mas esquece a questão de aprendizado e experiência de vida que vai agregar algum valor”, conta.

O valor médio pago pelo Bolsa Família no Brasil é de R$ 683,75, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. Já o salário mínimo é de R$ 1.412. De acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o salário médio dos trabalhadores do comércio em Minas é de 1,6 salário mínimo - ou seja, R$ 2.259 -, enquanto a média de renda de motoristas de aplicativo, considerando todos os custos, é de R$ 2.500, conforme pesquisa desenvolvida pela UFMG. 

Sócia de um restaurante na capital, Ana Paula Aragão explica que enfrenta os mesmos problemas citados por Pedro durante o processo para encontrar novos funcionários. “Esse pessoal mais jovem tem pressa de crescer, não tem paciência em entrar numa empresa, entender que podem crescer com ela. Acho que falta um pouco de humildade. A era é tecnológica, eles criam uma realidade até diferente da vida deles e não conseguem fixar no emprego deles. Eles duram um ano, ao maximo”, conta.

Ana Paula é sócia há quase dez anos de um restaurante arábe. Após passar por um período em que funcionava apenas como delivery, optou por abrir duas lojas físicas. Atualmente, ela possui 14 funcionários em regime CLT, mas conta que esse número poderia ser maior caso encontrasse os empregados qualificados no mercado. Na porta de uma de suas lojas, há um cartaz procurando por funcionários há quase um mês. “No primeiro momento tinha uma equipe muito jovem e percebi que o comprometimento deles era muito diferente. Eles querem dinheiro rápido, subir rápido e não entendem que somos parceiros. Se eles percebem que não vão evoluir rápido, dão um jeito de serem mandados embora ou pedem pra sair. Comecei a mudar a cara no sentido de contratação, procurando mesclar a questão da idade, procurando por 30, 35 anos. Um pessoal que tem família, filho e uma responsabilidade financeira, que acaba pensando duas vezes antes de simplesmente ser mandado embora ou pedir pra sair”, diz Ana Paula.

Não é só o setor de bares e restaurantes que é afetado. Com quase 2.500 lojas em Belo Horizonte, as padarias e panificadoras também vivem um momento delicado. Segundo o presidente do Sindicato e Associação Panificação e Confeitaria (Amipão), Vinicius Dantas, há um déficit de quase 21 mil vagas em padarias em todo o estado. “Nosso setor passa por um dos momentos mais críticos, com um turnover altíssimo e passando uma dificuldade imensa. Onde a gente conversa, vemos uma dificuldade. Lógico que nesses setores, os salários são próximos dos benefícios que o governo oferece. Também é preocupante a questão dos aplicativos, que não contribuem em nada no país, não recolhe tributos, FGTS, INSS. É uma conta muito fácil, a CLT funciona apenas para uma parte dos empresários, não funciona no todo”, diz o presidente.

Dono de uma padaria na região da Pampulha, Warlei de Aquino enfrenta as mesmas dificuldades para contratar novos funcionários. Segundo ele, uma saída foi buscar pessoas com mais de 50 anos e que querem voltar ao mercado. “ Muito difícil de encontrar, na faixa etária de 20 a 35 anos, balconistas. Surgiu a novidade da turma acima de 50 procurando emprego. Esses estão dando certo aqui e não foi por opção. Todo mundo tem seu lado positivo e negativo, dificuldades. Alguns jovens não têm muito compromisso, faltam por qualquer motivo, sem desenvolver o trabalho. Já os mais velhos, não. São pessoas que demonstram interesse. Às vezes possuem dificuldades que são superadas”, conta Warlei.

Existe solução?
Eduardo Maróstica entende que buscar pessoas próximas à terceira idade pode ser uma solução temporária para a dificuldade em conseguir mão de obra. “Pegar pessoas que já estão aposentadas e precisam de uma renda complementar e dar a elas protagonismo. Elas precisam de uma complementação de renda e têm um nível de responsabilidade altíssimo. Não vejo para jovens uma atratividade muito grande nessas empresas. Vai ser um desafio cada vez mais frequente e ele é insolúvel. Os jovens hoje têm um nível de qualificação melhor, logo eles querem empregos ou atividades que trazem mais felicidade do que a renda em si”, diz.

Simone Lopes, analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-MG), explica que, em Belo Horizonte, o déficit de funcionários em alguns setores é suprimido por contratações temporárias, coisa que não é possível ser feito nas padarias. “Temos muitos freelancers, por conta dos garçons, atendentes. Isso leva a contratação de horistas e diaristas para o setor (de bares e restaurantes). O setor de alimentação concorre com as lojas, comércio de rua e tem particularidades ligadas a horário, trabalhar fim de semana. A nova geração tem procurado cada vez menos esse tipo de carreira. Isso impacta muito o acesso dessas empresas à mão de obra disponível para trabalhar”, explica a analista.

Simone também aponta caminhos para que os empresários possam reverter a atual situação no mercado. “Para o empresário conseguir ter sucesso, é claro que tem que questionar as políticas públicas de forma geral, mas existem algumas coisas que podem ser feitas e estão ao alcance imediato do setor. Boas práticas internas de valorização, melhoria das condições de trabalho, qualidade de vida, ter uma estratégia de atração e seleção que seja funcional e estratégica e selecionar o perfil correto para atender a demanda que precisa”.

O que Belo Horizonte está fazendo para auxiliar o setor?
A Prefeitura de Belo Horizonte trabalha em três frentes para auxiliar os moradores da capital a encontrarem empregos: o uso do Sistema Nacional de Empregos (SINE), o aplicativo GOBH e por meio de feirões de empregos. 

A secretária municipal de Desenvolvimento Econômico, Chyara Sales, explica que a instabilidade atual no mercado ainda é reflexo do que aconteceu na pandemia. “Estamos entendendo que o mapa do mercado de trabalho e o mapa da mão de obra em oferta ainda está nebuloso em função da pandemia. Foi um ponto de infecção tanto na dinâmica do mercado de trabalho em contratação, quanto o desejo da mão de obra em se inserir no mercado”, explica Sales.

Para a secretária, também é importante destacar que a nova geração procura por benefícios que, muitas vezes, essas vagas não conseguem oferecer. “Hoje as pessoas querem os benefícios também. Mesmo nesse cenário, invariavelmente, a inclusão tem que ser prioridade do poder público porque ainda temos que partir do pressuposto de que, quanto mais oportunidades aparecerem, mais chances damos para as pessoas construírem suas carreiras no mercado”, completou a secretária.


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